ARGONALDO

A Filosofia Cotidiana Brasileira

Argonaldo é uma personagem criada pelo filósofo Sérgio Sá Júnior, que por caráter analítico, serve ao leitor uma base descomplicada das situações atuais em todos os âmbitos da vida brasileira.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

 


 

 Principiemos o ponto filosófico a cerca do bem e do mal.

 

I - O bem, etimologicamente, tem sua derivação do latim; o bem (bene) é a qualidade de excelência ética atribuída às ações que estejam relacionadas a sentimentos de aprovação e dever.

O mal (male em latim), comumente se refere a tudo aquilo que não é desejável ou que deve ser destruído. O mal está no vício, em oposição à virtude.

 

II - Analisando e entendendo os conceitos de bem e mal podemos agora falar mais sobre eles, primeiro se analisarmos que antes mesmo do ser humano existir já se existia uma lei natural originária de todas as coisas pondo em contraposto os conceitos criados pelo homem para se manter uma relação saudável entre convivas de sua espécie - Homo Sapiens - que até hoje é o único ser que conhecemos que possui racionalidade sustentada, intelecto, sabendo discernir as coisas.

Esse discernimento dá ao homo sapiens a capacidade de refletir sobre suas ações, elaborá-las e a partir de suas criações, digamos assim, seu mundo fora da natureza bruta originária de todas as coisas, o homem cria seu próprio mundo, onde pode se comunicar com seus convivas e viver em hipotética harmônia uns com os outros de sua própria espécie.

Assim é criado leis para que os homens vivam bem. Dentro destas leis são atribuídos a esses conceitos de bem e mal, outro conceitos, como a ética, moral, espiritualidade ( religiosidade)...

Vejamos bem que logo a partir deste ponto, que já não é mais o ponta pé inicial, se abrem vários caminhos para por onde a crença religiosa se instaura e coloca suas raízes. Seus conceitos acerca do bem e do mal criam outros ramos que se baseiam na cristandade religiosa, do que se pode ou não fazer - vale destacar que isso é imposto em todas as religiões, mas se destaca no cristianismo por ser a religião mais forte, imposta, há dois mil e vinte e dois anos, a força desta imposição que ele passa a implicar no decorrer do tempo eleva os eventos que fazem com que este conceito tenha mais força ainda.

 

III - Agora, pelo aspecto bruto da coisa, onde está escrito o que é bem e mal na natureza? A natureza age por si só, ela tem regras específicas quanto ao funcionamento de todas as coisas,

Se pensarmos em um lobo, ele se torna mal por comer um coelho? Por se alimentar? Ou sempre fora? O lobo não tem o mesmo intelecto que o ser humano, essa capacidade de criar e elaborar conceitos e discernir que muitas vezes pode estar fazendo mal a um outro animal. Tomemos: precisamos verificar que é de nosso conhecimento universal que a única raça que mata, escraviza, condena e faz uso de coisas perversas, que são caracterizadas como más, é o homo sapiens. O lobo apenas age por instinto, já o homem não, por seu intelecto mais apurado age por essencialidade, algo que está inato em suas características essentes que é a de ser assim.

Mas não o caracterizemos como mal, já que analisando pelo bruto da coisa o mal não existe no aspecto natural das coisas, são apenas atributos inerentes à raça humana e a todas as outras. São levados em consideração outos pontos, como o de sobrevivência, adaptação, já que sobrevive não o mais forte e sim o mais apto e isso deu ao homem essa soberania sobre as outras espécies de seu planeta. Agora como já vimos, neste aspecto bruto, o homem criou seu mundinho de conto de fadas e está inserido nele. Todos nascemos inserido nele, portanto, temos esses conceitos inseridos em nosso dia a dia, e na análise, por sermos criadores e fomentadores deste mundo, também somos criadores destes conceitos; conceitos antigos. Muitos pensadores e filósofos já falavam sobre, partindo do ponto onde se há uma harmonia para se bem viver em sociedade, como convivas, como já postulado anteriormente.

 

Pelo aspecto pouco mais fundo; cada ser é único e exclusivo em si e para si. Já ouviu falar sobre? O que é bom para você pode ser mal para mim? Como consequência da natureza, nos tornamos seres circunstanciais, que estão propícios a todos os tipos de acontecimentos, o mundo em que vivemos é dual, a dualidade faz parte dele através das circunstâncias. Eu posso sair de casa e pode estar fazendo sol ou chuva, isso mais uma vez, faz parte do aspecto essente da própria natureza e não temos como controlar. E isso se aplica muito também no campo humano. Eu posso achar que estou fazendo o bem para uma pessoa, mas no fundo estou fazendo mal para outras dez pessoas, isso se chama dualidade circunstancial, termo elaborado e utilizado por mim para definir esse movimento do mundo, onde as circunstâncias atuam gerando infinitas possibilidades para tudo. A dualidade é uma constância na natureza e com consequências na nossa vida.

Deste modo o bem e o mal, além de serem conceitos criados pelo homem, são conceitos religiosos que são muitas vezes favorecidos à aqueles que seguem a religião, quais podemos chamar de dogmatizados, onde o bem e o mal mudam de acordo com o que é favorável para com cada um e isso se aplica em todos os campos, como já disse: o que é bom para mim pode não ser bom para você.

Qualquer um, hoje em dia, usa esses termos sem sequer mesmo ter noção da amplitude e de seus valores intrínsecos dentro do campo criativo humano. A distorção da compreensão e mal entendimento desta matéria, faz com que o homem não saiba quais são seus verdadeiros valores. A desnecessária, mas famosa hipocrisia.

 

By: Caio Henrique Abruzzese 

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

 

TOUTES LES FEMME SONT EXTRAORDINAIRES

 

 

DA AMIZADE: Cosa possiamo fare adesso? Conversando com uma amiga, e evidente, que por dedicação recíproca, tomando o papel que bem me cabia, além do que trata o meu ofício, por uma basta indignação do tempo em que vivemos - que me parece horrorosamente retrógrado - não poderia de modo algum prescindir destas linhas que deito ao iluminar, que por sua vez, deve eliminar, erradicar, as razões que circundam os espíritos menos ilustrados, ainda presos em um conjunto normativo dos séculos passados, atenuando a própria incongruência essente - através da ignorância - por caráteres já moldados, estabelecidos pelo senso da moral coletiva - que sempre é estúpida - onde se encontra alguma valoração que lhe justifique o escarro de qualquer julgamento se qualquer outro elemento apresente l’écart.

 

Na conversa mencionada, me contava, minha amiga, que fora brutalmente açoitada por argumentos desnaturados e que chegou ao cume do que lhe toma lúgubre o espírito. Na ocasião lhe dediquei o sucedido, bem assim como dedico agora, aos leitores desse post: a amizade é um encontro de ideias que se enlaçam por reciprocidade. É natural e bela, pois livre é sua essência e, portanto, fluida. Entretanto, não nos enganemos que tão somente alguns enlaces de ideias, mesmo naturais, tome todos os nossos “amigos” como nossos leais defensores ou conselheiros quando algo não lhes cabe. Muitos dos considerados amigos serão os primeiros a martelarem os pregos - mesmo que gentilmente - que fundirão nossas mãos e pés - após um sermão indolente do alheio espírito ineficiente porque ainda vive dos conceitos de tempos bem idos - a cruz que já trazem consigo pronta: a digito cognoscitur leo. Com efeito, um calvário maçante onde os ouvidos latejam logo nos primeiros instantes e em breve seguida o desejo da crucificação e a partida do julgo romano. Por minha ótica: amigos são os que apresentam os seus pensamentos, e que sejam antagônicos, há em si o desvelo maior de se consumir nas exposições de suas ideias sem deixar evanescer o laço conquistado com o outro.

A refutação constante sobre o pensamento do outro e sua vontade de si, para imposição de uma verdade que apenas lhe cabe, repudiando o bem estar em si do amigo por razão de alguma circunstância, e por força qualquer julgamento que lhe faça, não podemos de modo algum considerar como amizade fluida, mas uma relação atroz, em que o império da compreensão de um lida grotescamente com a razão de ser do outro. Essa natureza de silogismo que se ocupa de premissas cadavéricas, que urgem algum auxílio de novos e bons ares, quando resoluta em hibernar por tempo indeterminado, denota em si um caráter pútrido de escarros sem remorso. Então novamente nos toma a questão: Cosa possiamo fare adesso? Simples: que o oprimido se liberte do opressor.

 

DO CONCEITO: No que concerne ao assunto em questão, a indignação que me toma é por um descuido ignóbil acerca do feminino. Antes, porém, precisamos nos perguntar:

 

1 - É condição inata do sexo feminino ter que se depilar, sentar com as pernas fechadas, ser estupidamente leal e fiel, ser subserviente, ter filhos, se casar de branco e se entregar ao máximo ao ponto de outro molde para um marido?

 

2 - É condição inata do sexo feminino sofrer com a violência masculina e a própria feminina?

Sejamos mais práticos:

 

1 - Por que as mulheres devem sentar com as pernas fechadas? Causa algum mal natural se sucedido o contrário ou moralmente é inaceitável?

 

 

2 - Por que as mulheres precisam se depilar? Causa algum mal natural se não o fizerem ou a mulher tem - por obrigação de bem estar de existência social - que cumprir com tal exigência?

 

3 - Por que as mulheres precisam se casar, serem estupidamente devotas (leais, fiéis e subservientes) aos maridos, e carregarem em seu ventre a prole que talvez ela não queira? Causa algum mal natural se sucedido o contrário ou pela razão da sociedade...

Bem lá se ia mais uma pergunta dedicada ao imbecilismo social em que ainda, muitos, desdobram a própria vida como se vista em uma película: a cena perfeita de um filme perfeito de um roteiro divino. Putz! Heresia!

 

Atenuar a própria incongruência essente, significa o aprisionamento de si mesmo, em si e para si, criando justificativas para bons comportamentos sociais ao ponto de se convencer de que a natureza é apenas um detalhe em nossa existência. E como isso não seria heresia? A sororidade não deve de modo algum ser corroída por imposições de moralidades que são mundanas porque delimitam o espaço natural do ser feminino que é livre, tornando-as verdadeiras “bonequinhas de porcelana” que ao fundo, mesmo hoje em dia, praticam a mesma decadente misoginia que o sexo masculino. A mulher que ignora a sororidade é aquela que se ajoelha ante os conceitos estipulados e enceta julgamentos por aquelas que estão libertas.

Entendamos a sororidade: soror é uma palavra em latim que, traduzida para o português, significa irmã. No italiano, dos idiomas latinos, o mais próximo do latim, sorella. Parte daí a terminologia deste assunto abordado que marca, evidentemente, a espécie de comprometimento que deve estar atribuído de mulher para mulher. Mas logo eu que sou homem, que não possuo as características do caráter feminino, ouso argumentar sobre esta cosia que me passa tão longe? Quem disse que me passa tão longe? Se tem uma coisa que os homens fazem e fazem bem é se respeitarem rigorosamente de uma forma quase natural.

No trato masculino, há uma diferença substancial concernente ao que é de si próprio. Nas ocasiões em que um casal passeia, se a mulher deste nosso casal tem uma figura muito bem apessoada, na maioria das vezes, os olhares que se voltam para esta mulher - quando se voltam - são feitos na ausência de seu companheiro ou da forma mais discreta que for possível, bem como algumas possíveis abordagens, muito distantes da figura do companheiro. Se enveredarmos pelo caminho da hipótese em que esta mulher cede aos seus admiradores e “trai” o seu companheiro, para o companheiro - o que é muito claro - a culpa não é dos que abordaram, mas da mulher que se permitiu entregar aos gracejos. Na cabeça dos homens:               “aquela puta me enganou”. As disputas entre os homens que se dão por causa de uma mulher é quando o companheiro sabe da intenção do outro e mesmo após afastá-lo de seu círculo social, a perseverança passa a ser extremamente incômoda.

É certo que muito se sucede entre as mulheres o exemplo há pouco demonstrado, todavia a máxima que se segue no meio é a culpa estabelecida no caráter da amante: “ela sabia que ele era casado”. Mas o casado não sabia que era casado? Se sabia que era casado, por qual razão permitiu se envolver? A determinação construída pelos exemplos da infidelidade, conquanto não esteja na esfera abrangente de todo aspecto da sororidade, é mister sua compreensão, pois acerca dos assuntos de felicidade no meio feminino está o do bem estar do relacionamento. E é aí que encetamos a razão niilista desta nossa observação.

O espectro da sororidade não está e não pode se moldar ao que é socialmente digno tornando indigno a postura existencial naturalmente bruta. Conforme os exemplos verificados, casamentos e fidelidades em relacionamentos são ideais sociais e passam muito longe da consciência existencial que nos é instintiva; é através do sexo que procriamos e procriar significa perpetuar a nossa espécie. Quer queiramos ou não, essa imposição ignóbil do comportamento do ser humano que é bruto, essente, existencial em troca do restritivo, não passa de uma quimera mal fantasiada e que só tem como resultado final um acúmulo significativo de sofrimentos. Portanto, esses ideais religiosos e sociais de ser uma “puta” por isso ou uma “vaca” por aquilo - quando se dá tal absorção pelas próprias mulheres - é justamente o contraposto da sororidade que deveria, tal como no gênero masculino, preservar e defender o respeito de irmandade feminina. A propósito, para ênfase ao argumento, muitas vezes uma mulher casada lança sobre outra, para o marido, a consideração daquela ser “puta”, com a intenção de dissuadir o marido a qualquer aventura, entretanto é aí que a permissão está dada. Homens cumprem com as etapas que devem ser cumpridas para o sexo, se são “putas” mais fácil ainda e sendo assim mais “famosa” no círculo masculino. Prático: todos comem no mesmo prato a mesma comida e ninguém reclama com ninguém: frateridade. E se há aquele que cria laços afetivos pela tal “puta”, os outros passam a respeitá-lo, compreendendo que o “problema” é de quem se afeiçoou. Visto isso, por qual razão as mulheres apontam o dedo uma para as outras indicando aquela apontada estar em falta com a sororidade, posto ter exercido qualquer coisa que seja fora da conformidade dos dogmas que lhes são atribuídos? Quando as mulheres se permitirem viver e se respeitarem fora dessa caixinha de representações a que sempre foram submetidas, com toda força que este gênero possui que é infindavelmente maior do que o masculino, e a sororidade parar de ser uma força de comportamento social subjacente e passar a ser uma irmandade tal como deve ser, neste dia os homens saberão que o maior erro que poderiam ter cometido em sua existência foi o de subjugar as mulheres e atordoá-las com toda a sorte de sofrimento que um ser humano é incapaz de imaginar.

 

Antes do gênero e da sexualidade há a pessoa, e toda pessoa nasce livre para acumular o que lhe couber, fazer o que bem entender, e acima de tudo, livre de qualquer julgamento vindo de outro. Portanto, mulheres são mulheres, independente do ofício que escolhem, da circunstância que lhes toma, da razão de sua atitude de vontade. Todas, como todo ser humano, possuem suas particularidades. Livres para continuarem livres dos dogmas sociais e religiosos e livres para se dobrarem aos mesmos, contudo, desde que jamais tornem para os outros a mesma verdade que lhe compete como absoluta.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

 

                AMOR INIMIGO


            Hoje me sinto inspirada

            Como os dias que andavam pela estrada

            A janela aberta com o vento na cara

            Lembrando-me do tempo em que me amara


            Veemente no coração

            A tristeza da solidão

            A que atribuo toda essa inspiração

            Demonstrando a dor em imensidão


            Viajo em meus pensamentos

            E sinto saudade daquele tempo

            Lindo era seu cabelo ao vento


            Durmo e sonho contigo

            E caio nessa ilusão do perigo

            O amor tornou-se meu inimigo

                                                                    Lujopepístoles

sábado, 19 de junho de 2021

Tudo começou durante a pandemia. A volta às aulas presenciais me deixou extremamente ansiosa e com receio de voltar a me expor nas ruas - após quase 9 meses de quarentena e aulas online.

Comecei a ter palpitações, arritmias e taquicardias. Pela primeira vez, em 37 anos, tive a necessidade de procurar um cardiologista. Logo eu que quase nunca preciso de médico - exceto o psiquiatra - mas isto é assunto para um outro post.

Iniciou-se a busca por um cardiologista que atendesse pelo plano e tivesse uma indicação, pois não queremos ser tratados por “qualquer um”. Instagram, Facebook, amigos, família… Ninguém me deu uma indicação satisfatória. Vamos, portanto, apelar para uma grande amiga minha e do universo: a aleatoriedade. 

Os algoritmos de busca dos aplicativos de plano de saúde são óbvios e intuitivos. Filtre, por favor: cardiologia, raio de 5 km do meu local de trabalho. O resultado saiu em ordem alfabética: Doutor Adriano. Como pessoa prática que sou, decidi de forma bem direta: é nesse mesmo que eu vou. 

Telefono pra secretária. Nossa, que coincidência! (Não acredito em coincidências, mas isso eu explico em outro post) 

  • Temos uma desistência amanhã de manhã. 7:30. Você quer marcar? É primeira vez?

Penso mais uma vez: Nossa, que sincronicidade! Eu estou buscando incessantemente um cardiologista e encontro um a duas quadras do meu trabalho, com horário livre amanhã. Topei na hora.

Na manhã seguinte, cheguei ao consultório. Dr. Adriano era um homem alto, magro, grisalho, muito carinhoso e parecia um profissional muito competente e comprometido com seus pacientes. Ele me ouve atentamente durante quase 40 minutos, (estranho para um atendimento de plano de saúde, não acham?) pergunta sobre toda a minha vida - inclusive tópicos muito pessoais - e faz o pedido de diversos exames. Vários deles ligados à cardiologia e um em especial: uma análise completa de hormônios e marcadores inflamatórios. Agendo a próxima consulta para dali a três semanas.

Com todos os resultados dos exames em mãos, cheguei no consultório, ansiosa, três semanas depois. O veredicto é dado:

  • Olha, você não tem absolutamente nada no coração. Sua questão é puramente psicológica. Porém, há muitas alterações nos seus exames de sangue. Se você não mudar sua alimentação, em breve você irá adoecer.

Começo a chorar. Sim, sou uma pessoa dramática. “Exagerado / jogado aos seus pés / eu sou mesmo exagerado…”. Pergunto a ele: 

  • Que tipo de mudança? O que eu preciso fazer para ficar saudável?

  • Abandone óleos vegetais, glúten, grãos, açúcar, alimentos industrializados e processados. Coma #comidadeverdade. Vou receitar alguns suplementos. Retorne daqui a 2 meses.

Saí do consultório com um misto de sensações: medo e determinação. Fui direto à farmácia de manipulação encomendar os tais suplementos. Em menos de três semanas eu estava dormindo melhor, o humor havia melhorado e eu não me sentia tão bem disposta desde os meus 20 e poucos anos. Uma coisa é inegável: Doutor Adriano é um excelente profissional, apesar de seu péssimo caráter como homem. (OOPS, Spoiler alert!)

Eu, como nerd diligente e curiosa conscienciosa, me debrucei sobre o assunto. Dieta paleo, dieta cetogênica, dieta carnívora, os benefícios de retirar os grãos e o açúcar da alimentação e praticar atividades físicas pelo menos 3 vezes por semana. Toda vez que tinha dúvidas, enviava mensagens privadas para o Dr. Adriano no seu perfil do Instagram. Ele, sempre muito atencioso e disposto a ajudar, respondia prontamente. Prontamente até demais, pensei: “Esse cara é viciado em Instagram”.

E era viciado mesmo. Me marcava em todos os posts dele, comentava todos os meus stories, agradecia em segundos toda vez que eu curtia alguma publicação dele. Comecei a achar aquilo esquisito. Ele me mandava mensagens aleatórias, por exemplo: “Olá, jovem, como você está?” 

Comecei a achar aquilo cada vez mais incomum. Elogiava meu corpo, meu rosto, minha educação, minha inteligência, meu bom humor, dizia que eu era uma pessoa encantadora. A minha inocência e meu romantismo falaram mais alto: “Acho que ele se apaixonou por mim”. Além disso, após uma separação recente, que mulher não gosta de ser cortejada? Aquilo estava me fazendo bem para a autoestima e para o ego. Um amigo logo sinalizou: ele não usa aliança. Pronto. Eu estava oficialmente flertando com o meu cardiologista.

Conversa vai, conversa vem, faço a pergunta que não queria calar: 

  • “Doutor Adriano, você é comprometido?

  • Sim.

  • Bom, paramos por aqui então. Me relacionar com homens comprometidos não faz parte dos meus princípios.

  • Compreendo.

Conto pras amigas. Mulher é assim: as amigas acompanham os flertes que nem série. Alguns flertes têm apenas uma temporada; outros, várias. Este era o final da primeira temporada da série “Doutor Adriano”. O julgamento das amigas é (quase) unânime: "Fez certo. Ele é um filha da puta!"

Apenas uma amiga fez um julgamento diferente: “Não tenho estes julgamentos… considero as coisas bem mais complexas do que parecem… principalmente no que concerne estas situações tão fortemente ligadas ao patriarcado (...) A monogamia é estreitamente ligada ao patriarcado, criada em processos sociais para manter heranças, etc. O amor romântico é bem mais recente, e, ainda assim, não garante fidelidade. Uma mulher que topa ser a outra pode ser uma mulher de boas com a vida dela. Livre. O cara é apenas mais um. Ou não. Pode ser uma mulher apaixonada que está OK em ter o cara em alguns momentos e não todos. É tudo muito amplo. Há muitas possibilidades. Tem esposa que está com homem que não é honesto com ela e sabe disso, não fala nada para não ser abandonada.”

A vantagem de você ter uma amiga de humanas inteligentíssima e de mente aberta é que ela abre os seus olhos para diferentes pontos de vista. Para quem não me conhece, aí vai uma breve análise psicológica da minha pessoa: 

Meus pais vivem em um casamento família funcional da década de 60 há quase 40 anos. Sou filha única. Meu pai, machista, descendente de calabreses, provedor, não sabe nem fritar um ovo e depende da minha mãe para servir as refeições. Não lava um copo, chega em casa do trabalho, pega o controle remoto, assiste televisão até a hora de dormir. Minha mãe, dona de casa, nunca trabalhou, casou virgem com 20 anos, depende do meu pai pra comprar calcinha. Eu: criação tradicional, fora da realidade da minha geração, estudei em escola católica, depois militar, superprotegida, matemática, cartesiana.

Aquela amiga de humanas me fez desconstruir, em poucos dias, tudo aquilo que minha família incutiu na minha cabeça durante anos. Fui estudar, como sempre faço.

“A poligamia é natural ao ser humano e a monogamia foi criada por imposição para a mulher”, disse o investigador português Rui Diogo. “Se a monogamia fosse natural não tinhamos que fazer leis e matar pessoas por causa da poligamia. Não há fundamentos biológicos para a monogamia, nenhuma espécie na natureza é monogâmica. As fêmeas dos chimpanzés, que se assemelham ao ser humano, relacionam-se com uma média de oito machos por mês. A poligamia acontece hoje em todas as tribos da Amazônia. O machismo e a diferença entre gêneros fazem parte do passado recente da humanidade. 90% da comida era providenciada pela mulher no tempo dos humanos caçadores-coletores, e, com a agricultura e as religiões surgiu a imposição da monogamia, mas apenas para a mulher. 

Com a agricultura surge o conceito de propriedade. Os meus animais, a minha colheita. E surge a herança. Eu tenho de ter a certeza absoluta de que o filho é meu. A partir da agricultura, a mulher torna-se uma propriedade (...) A própria aliança de casamento começou a ser um símbolo de que a mulher tinha dono. Após cinco anos de casamento (exatamente o tempo que o meu durou) os estudos indicam que a oxitocina (ligada à paixão) acaba e a testosterona (hormônio masculino) aumenta. Fisiologicamente, não há relaçao entre amor e sexo, pode-se amar alguem e desejar outra pessoa, e isso, pelo menos, aplica-se ao homem e à mulher.”

Caro leitor, não se apavore neste momento. Eu não pensei em virar chimpanzé e ter 8 parceiros sexuais diferentes no mês. Apenas fui buscar bases científicas que justificassem a minha vontade de me relacionar com o meu cardiologista - mesmo tendo valores e princípios éticos contrários. Voltando à história…

O médico continuava comentando e mandando mensagens privadas, mesmo após o meu basta. Decidida a seguir meus instintos primitivos e passar por cima da educação dada pelos meus pais caretas, continuei as conversas proibidas com Doutor Adriano. Vivíamos um mini-namoro através do Instagram e do WhatsApp. Ele me mandava Bom dia, Boa tarde, Boa noite, mandava fotos da filha, áudios e contava como estava sendo o dia dele. Eu estava me achando incrível. Afinal, havia dado um pé na bunda de um cara imaturo e dependente financeiramente de mim e me relacionando com um médico 11 anos mais velho que eu. Não sou o máximo??

Porém, este autocontrole psicológico não durou muito tempo. Pra quem não me conhece, vai um pouco mais sobre mim: eu faço terapia há quase 20 anos. Estudo neurociência. Ao longo deste tempo, descobri que tenho um traço de personalidade chamado amabilidade, o que se contrapõe ao traço de combatividade. Em palavras mais simples: a famosa dificuldade de dizer não. 

É muito tentador ser amante de um cara como o Dr. Adriano. Mas será que partia de um sentimento genuíno de minha parte? Ou eu estava apenas gostando de ser assediada e fazer algo “errado”, que meu pai certamente condenaria e eu seria apedrejada tal qual Maria Madalena? Essa reflexão me tirou umas duas noites de sono. E eu comecei a ponderar se esse tal affair estava sendo benéfico para a minha saúde mental, que já não é lá das melhores. 

Sabendo dos potenciais perigos de se perder o sono - quem é bipolar sabe - decidi voltar a olhar pra dentro de mim mesma e esquecer o tal artigo científico sobre monogamia/poligamia e biologia evolutiva. E daí que as tribos da Amazônia são poligâmicas? Eu vivo no mundo pós revolução industrial do século XXI. Casei duas vezes, já usei 4 alianças diferentes, mas, moro sozinha e não dependo de homem pra pagar minhas contas. Achei que estava fazendo tudo errado. Desisti de virar amante.

Soma-se a isso tudo um outro traço de personalidade marcante em mim: eu sou extremamente empática. Me coloquei no lugar da namorada/esposa/companheira do médico. Eu detestaria ser traída. Como feminista, eu tenho que defender as mulheres.

Coincidentemente (mais uma vez, sincrônicamente), este foi o dia anterior à consulta. Eu havia acordado às 2:30 da manhã de tanta ansiedade que eu estava. Levantei da cama, fui até o meu escritório e escrevi uma carta (sim, carta, papel, caneta, envelope) para o médico. Expondo meu ponto de vista sobre adultério, falando sobre a empatia que sinto pela companheira dele, e, finalmente, pedindo que ele parasse de me enviar mensagens privadas. Respirei fundo, fechei o envelopinho com um durex e coloquei a carta dentro da mochila, juntamente com a receita de suplementos.

Ao chegar na sala de espera do consultório, o outro paciente havia chegado antes de mim. Mas o médico me chamou primeiro (feio, né?). Entrei no consultório e ele veio me abraçar, como na última consulta. Aproveitando o contexto da pandemia, respondi o convite de abraço com uma cotovelada. Pedi minhas receitas e meus pedidos de exame de sangue. Enquanto ele escrevia, percebi que seu olhar às vezes me encarava com uma cara de ponto de interrogação. Quando ele terminou de escrever tudo, ficou mudo e eu disse:

  • Não posso demorar. Tenho que ir pro trabalho.

  • Eu sei.

  • Como não consigo falar, eu escrevi. 

Entreguei o envelope para ele e saí rapidamente do consultório. Na recepção, marquei com a secretária a próxima consulta, dali a 90 dias. 

Alguns minutos depois, recebo uma mensagem privada no Instagram. Era ele, prometendo não mais enviar mensagens. Desde então, só nos comunicamos publicamente através de posts no Instagram.

Como cantava Elis Regina: 

“Minha dor é perceber / Que apesar de termos feito tudo, tudo / Tudo o que fizemos / Nós ainda somos os mesmos / E vivemos / Ainda somos os mesmos / E vivemos / Ainda somos os mesmos / E vivemos como os nossos pais.”

Estudar biologia evolutiva, antropologia e História não conseguiu sobrepor os princípios incutidos há tanto tempo na minha psique. E Doutor Adriano continua sendo apenas um cardiologista com tendências poligâmicas viciado em Instagram. E eu? Bom, eu só aprendi conteúdos novos. 




sábado, 12 de junho de 2021

 

A CORRUPÇÃO DO PATRIOTISMO

 

 

    São tempos tortuosos, os dias de hoje - bem sabemos - mas eis que aqui deito alguma reflexão sobre um grupo que estampa as manchetes dos noticiários com as suas "pérolas" extraídas de suas cabeças de ostras.

     De início, consideremos a ausência de diligência que deveria estar atribuída aos atos quanto à falácia, destes paupérrimos espíritos defensores de autocracias e aprisionamento dos demais indivíduos de sua terra. Todavia, o fato consumado, de tal grupo “revolucionário” (bestializado) de ideias antigas e costumes empedrados, a fazer a sua meia dúzia de justificativas empobrecidas sem método e mui distante de algum senso de empatia, deixa notório, que mais longínquo ainda está o da ontologia.

 

    Desse grupo de aparelhos de manivela, tal como a bandeja de uma vitrola, que não possui controle próprio e deixa-se girar continuamente pela força que lhe impulsiona, o movimento dessa gente está nas articulações ilusórias de outrora em que se apegaram, ao ponto de conferirem determinada razão para as afirmações de caráter absoluto que espalham volta e meia. É um grupo dogmático por certo, que busca desesperadamente, por sua vontade da verdade máxima, uma centelha de inspiração capaz de guiar - segundo esse mesmo grupo - os menos iluminados para o caminho onde está enveredado, pois possui uma convicção inabalável de que a leitura através de suas lentes é o melhor caminho para todos. Pobres, paupérrimos, componentes desse grupo. Que dó em minh’alma sinto por vocês!

 

    Mas deixemos a pena e tomemos a prática. Um grupo de indivíduos que possui a intenção de dogmatizar, precisamente, é um grupo idiotizado, pois deixou-se dogmatizar por ideias conduzidas à valorações constantes - imutáveis - que não transcendem as gerações, não correspondem as necessidades básicas de convivência para a grande parte da sociedade e que perpetuam, apenas, pelo fracasso em desfrutar outros conceitos e, portanto, um novo aspecto da existência. Nesse grupo de ideias fixas, empedradas, há uma inépcia totalitária da efetividade do pensamento por si próprio. A vontade de sua verdade máxima é tão voluntariosa que não há espaço para se ouvir, ler e, assim, muito menos, refletir sobre as mudanças de comportamento que uma sociedade mais avançada traz consigo.        Preso em sua natureza desnaturada porque já está consumida, o grupo em questão, não consegue, mais ou menos, do que proferir os antigos preceitos sociais e atacar a “liberdade” a que se propõe a sociedade em seu tempo atual. Por isso justamente, vale a mácula de seus discursos que antagonizam os seus atos. O plano onírico que não está além de bravatas. Evidente que é tão tartufo quanto néscio.

     

    E de que modo as valorações mais antigas podem ser consideradas idiotizadas? Afinal, tudo o que é antigo é ruim? Pois bem, verifiquemos a primeira questão. As valorações morais que carregam em si, em um aspecto geral, independentemente do tempo a que pertençam, a vontade de verdade máxima, possuem em caráter comum o aprisionamento do comportamento do indivíduo. E esse mesmo dogmatismo que se utiliza de verdades absolutas, limita o indivíduo em um caminho já apontado, dilacera a ótica e fenece os impulsos de vontade própria e, por conseguinte, algum esclarecimento sobre si próprio, tornando esse indivíduo escravo de um conjunto de regras que não cumulariam desastre algum se não fossem cumpridas. Contudo por caráter absolutista, os aproveitadores eloquentes lançam suas granadas de forma contumaz, para então, em conformidade com a realidade de muitos, suavizarem, teoricamente, o terror projetado, subordinando pela esperança, o indivíduo que agora se encolhe e age sem reflexão pelo medo do que pode acontecer, mas que ainda não aconteceu e que, talvez, jamais aconteça. E partindo deste ponto, tratando o problema maior que a conjectura pode valer, o indivíduo se fideliza ao seu “advogado” sem perceber que agora torna-se escravo de sua própria covardia, aprisionado à uma crença de manutenção de bem estar, lançando em conluio, uma idealização em que não tivera participação alguma com nenhuma opinião.

    Por força, existem valores de tempos idos que são necessários para a defesa, manutenção e conscientização da liberdade social que cada um deve desfrutar. Valores que, mesmo tradicionalistas, não se deixam arrebatar pelo niilismo porque asseguram, como bem asseguravam com contundência a liberdade de outrora e, hoje, a liberdade atual.

 

    Enveredados nesse caminho, sigamos com a prática de nosso cotidiano, desde a mixórdia de devaneios de notícias que destituiu e criminalizou o Partido dos Trabalhadores, até o alcance - com o mesmo processo mentiroso - do atual presidente da república.

    É mister, antes de qualquer coisa, lembrar que - como eu já havia dito antes - a população brasileira, não diferente de muitas outras, possui como base crítica, o empirismo.

 

    O empirismo em uma população é a corrente que mais felicita, quando as experiências permanecem positivas, mas a que mais, da noite para o dia, inverte o valor de seu juízo quando o positivismo da experiência já não é tão presente. Sendo assim, logo é a que mais condena quando toda coisa se torna negativa. E nesse ponto, a coisa negativa, tanto pode ser real quanto onírica ou sugerida. A criação de uma crítica que conduz à outra e depois ao caos total, possui nos detalhes da comunicação, uma força incomensurável quando mesmo o menor dos deslizes, o menos prejudicial, a precede.

    Entretanto, diferente do que costumávamos ver, a última eleição para presidente já trazia consigo um amarrado de pessoas já “trabalhadas” por mentiras, mormente, através de líderes religiosos absolutistas, caudilhistas para ser mais exato, que uma vez senhores de seus escravos, a empresa de lançar-lhes a “luz” de suas obscenidades avarentas, não exigia grande esforço.

    Com o passar do tempo - e por força de todos os absurdos que até a visão mais embaçada consegue enxergar - muitos dos que estavam amarrados nos laços daquele obscurantismo - para surpresa de seus senhores - começaram a se soltar e tomar para si, novamente, algum controle de sua própria essência, algum controle de sua natureza desnuda, e, portanto, excomungados da seita fundamentalista e de seio autocrático, porque para a permanência dessa hipnose, é mister expulsar o primeiro que desperte sem que se faça muito estardalhaço, mesmo que se trate de um despertar ainda quebranto, pois se há residência no espírito alguma teimosia, o risco torna-se deveras custoso. Todavia para os espíritos aprisionados, o valor do empirismo de outrora cede seu lugar ao do negacionismo da realidade - triste por ser em um aspecto geral. E essa troca do bem social no país - querendo fazer valer os discursos autocráticos, caudilhistas, como ferramenta de salvação para a nação - é onde está a corrupção do patriotismo, pois para os “amarrados”, para o grupo dogmatizador que também é dogmatizado, troca-se a liberdade da população inteira por algo imaterial, onírico, que de tão quebranto falece em frações de segundos após o nascimento: nada mais do que uma série de mentiras de grosso calibre e português malfadado.

    Um forte exemplo, tomando os fatos de nosso cotidiano, é o presidente proferir algo nefasto ou mesmo fúnebre, e logo em seguida, dizer de jeito estafermo, que não fora bem interpretado. Então o grupo dogmatizado toma para si, como resultado instantâneo, a mais absoluta crença de que a interpretação de todos fora equivocada, atribuindo todo senso de razão ao ídolo venerado, bem como como se atribui o mesmo senso de razão, quando o dito não possui "caráter de interpretação", e, portanto, afiançado pelas justificativas imaginadas. 

    Por essa ótica, é notória a disposição dos corrompidos em deitar por água abaixo toda construção de bem social que se forjara até os dias de hoje. Descumprindo o bem merecer de respeito que se deve a cada indivíduo de sua própria terra. Essa corrupção patriótica, é muito maior do que a praticada nos gabinetes políticos: entrega a própria gente à sorte de demônios que não hesitariam a prática de qualquer piromania, diminuindo a força da resistência da própria população pela sua divisão, abrindo para a sociedade um horizonte destruído, dotado de grilhões por todos os lados e cadafalsos sob cada passo proposto. No entanto, a pusilanimidade em atuar conforme se discursa é que torna idiotizada a compulsão dessa gente, caracterizando em cada elemento desse grupo uma inutilidade tão aguda que, como senso comum, o ato em si é esperado por alguma força extraordinária.

 

    Ainda que o grupo dogmático seja minoria no país, afeta-me a indolência com que tratam a própria vida e com a mesma que tratariam a vida de seus compatriotas. Ou já não possuem alegria e esperança para viver ou se contorcem pelo incômodo do bem estar social geral. Não há importância alguma no que diz respeito ao mau trato com a nação. A vontade de verdade máxima imposta por seus dogmatizadores não admite qualquer flexibilidade de pensamento, e portanto, tal imposição exige o dever da conversão para a realidade pelo preço que custar.

 

    Contudo, não há espaço para o engano: todo e qualquer dogmatizador é um espírito dogmatizado. Um dogma oriundo de outrem ou da própria derrota do ser em ser, ante os próprios impulsos ambiciosos que se tornam o máximo senhor de uma vontade de verdade máxima, subjugando o indivíduo a si próprio, tornando-se escravo de si mesmo.

quinta-feira, 3 de junho de 2021

 

ARGONALDO E O PRONUNCIAMENTO DO JAIR

 

 (Dois de junho de dois mil e vinte um)

 

(Argonaldo senta-se no sofá, quando Jair diz na televisão)

 

JAIR - Boa noite.

 

ARGONALDO (ajeitando uma almofada) - Lá vem lorota.

 

JAIR - Sinto profundamente cada vida perdida em nosso país.

 

ARGONALDO - Só agora com quase meio milhão de brasileiros mortos é que você sente alguma coisa? Aliás, vindo de você, exatamente o quê você sente? Sente alegria? Felicidade? Pesar e tristeza não é, com absoluta certeza. Não... deve ser: sinto profundamente, o meu próprio desespero, por cada vida perdida em nosso país, pois só agora percebi que perderei as eleições ano que vem. Talvez... Sinto profundamente um medo inefável, pois a CPI tá afunilando o meu caminho...

 

JAIR - Hoje alcançamos a marca de cem milhões de doses de vacinas.

 

ARGONALDO - Tá de sacanagem? Esse negócio já poderia ter sido feito e você vem falar de cem milhões agora em junho do ano seguinte? Antes tarde do que nunca, né? A galera que morreu, quem sabe, ressuscite para tomar as vacinas. Além de não fazer mais do que a sua obrigação, ainda fez tarde pacas.

 

JAIR - O Brasil é o quarto país que mais vacina no mundo.

 

ARGONALDO - Não é possível! Deixe-me explicar, Jair. Vamos acabar com essa picaretagem. Segundo os dados oficiais compilados pela Universidade de Oxford, considerando apenas a comparação do número total de doses que cada país aplicou, o Brasil aparece em quarto lugar, no entanto, quando a comparação do total de doses aplicadas leva em conta o tamanho da população de cada país, o Brasil aparece em septagésimo oitavo entre cento e noventa nações e territórios, isto é, no bom português, de acordo com o tamanho da galera de cada país a gente tá lá na posição setenta e oito dentro de cento e noventa no mundo. No território brasileiro temos um percentual de dez vírgula seis por cento de pessoas totalmente vacinadas, ou seja, com as duas doses. Jair, isso é conversa pra boi dormir...

 

JAIR - Neste ano, todos os brasileiros, que assim o desejarem, serão vacinados.

 

ARGONALDO - Hã? Cara, você tinha que estimular a população inteira! Eu tô falando! Você deve sentir profundamente uma alegria imensurável por cada morte! Quase meio milhão não basta não?

 

JAIR - Vacinas essas que foram aprovadas pela Anvisa.

 

ARGONALDO - Ah se o Jair soubesse fazer Medida Provisória para os propósitos apropriados... A emenda do Senado...

 

JAIR - Ontem assinamos acordo de transferência de tecnologia para a produção de vacinas no Brasil.

 

ARGONALDO - Eita! Calma aí... Essa é pesada. Jair, você xinga todo mundo, ninguém facilita acordo nenhum contigo, nenhum líder mundial tem apreço algum pela tua cara de burro com flatulência aguda, então que raio de acordo é esse? Como foi realizado? Você ameaçou alguém de morte? A milícia tá envolvida, né? Lá vem bomba...

 

JAIR - Entre a “Astrazenica” e a FioCruz.

 

ARGONALDO - Ah! Que alívio! A FioCruz é que negocia a transferência. Epa! Jair, todo mundo sabe que o seu envolvimento é com cloroquina no exército... Você quer aparecer com a cara dos outros, miserável? Esse AstraZeneca com “i”... Sei não...

 

JAIR - Com isso passamos a integrar a elite de apenas cinco países que produzem vacina contra Covid no mundo.

 

ARGONALDO - E a FioCruz precisa fazer o trabalho do governo federal... Dá-lhe FioCruz!

 

JAIR - O nosso governo não obrigou ninguém a ficar em casa.

 

ARGONALDO - Isso é verdade. Pelo contrário, queriam experimentar imunidade de rebanho e cloroquina na goela da galera.

 

JAIR - Não fechou comércio, não fechou igrejas ou escolas.

 

ARGONALDO - Não fechou comércio, não fechou igrejas, não fechou escolas, não fez nada em absoluto do que deveria fazer para minimizar os riscos da pandemia, e das mortes, apostando a vida das pessoas com aquele papinho de “gripezinha” para a economia não despencar. O dinheiro na frente.

 

JAIR - E não tirou o sustento de milhões de trabalhadores informais.

 

ARGONALDO - Como eu disse, você, como um completo inútil, não tirou o sustento dos trabalhadores informais. Você, apenas matou uma porção deles e deixa até hoje a outra porção com duzentos e cinquenta reais em média para viver. Boa, Jair! Nesse momento, em cadeia nacional, aí está você com o talento que Deus te deu: a maior cara lavada, do maior mentiroso e do maior caráter inescrupuloso de todos os tempos. O que diria Trasímaco agora?

 

JAIR - Sempre disse que tínhamos dois problemas pela frente: o vírus e o desemprego, que deveriam ser tratados com a mesma responsabilidade e de forma simultânea.

 

ARGONALDO - Ah! Aí não! Aí é querer fazer todo mundo de palhaço, inclusive a galera que te segue. Sim, podem ser um bando de boçais assim como você, mas até mesmo para essa gente imbecil, dizer que sempre falou sobre responsabilidade com o vírus... Ah Jair, não dá. Cara, você programou churrasco na pandemia, não fechou acordos de vacinas, ficou brincando de cloroquina e mais um monte de imbecilidades que você fez e disse e reafirmou. Realmente, até aqui, esse seu pronunciamento deixa bem claro que você tem probleminha na cabecinha. Admito que estão certos quando te chamam de genocida. Já até sei como isso vai seguir e terminar. Aposto que você vai dizer que a Copa América não é nada demais, visto que já temos futebol acontecendo no país. Aposto que você vai enfeitar o pavão com o percentual da economia, mesmo enquanto a gasolina, o gás, os mercados, precificam valores absurdos em uma alta da inflação. Tá na hora, Jair. Usando o seu trocadilho: tá na hora de Jair pra cadeia.

domingo, 23 de maio de 2021

 

A BANCARROTA EVIDENTE DA VAIDADE X REFLEXÃO

 

Não era novidade alguma que o desastre do governo atual era iminente. Por introito, a incompetência do deputado, Jair Messias Bolsonaro, quando ainda ocupava tal cargo. Incompentência. Pois em vinte e sete anos no exercício, apenas conseguira ter aprovado dois projetos. Dois e tão somente dois.

Pelo caráter do discurso em sua campanha nas eleições para presidente da república, com um tom bravio que marginalizava o Partido dos Trabalhadores e os demais de esquerda, dando profundo antagonismo ao caminho enveredado pelo PT e por uma verbalização contundente sobre uma nova política, com as rédeas curtíssimas quanto, principalmente, ao fator corrupção, o então candidato fora construindo uma ilusão e por conseguinte abrindo caminho para a conquista nas urnas. Logo tomou força, uma seita antidemocrática e preconceituosa, denominada “bolsonarismo”.

Agora lembremos, razoavelmente, da teoria atômica de Demócrito. Demócrito acreditava que tudo existente no mundo se transformava pela razão de tudo ser composto por partículas indivisíveis de tamanhos distintos que se encaixavam para formar, desencaixavam-se para desconstruir e posteriormente encaixavam-se do mesmo modo para dar nova vida àquela forma desconstruída. O exemplo clássico - em filosofia para iniciantes - é ilustrado através do brinquedo Lego. Um brinquedo de peças com tamanhos distintos que se conectam para formar e se desconectam para desconstruir.

Tomamos então a caminhada do presidente, construindo, peça por peça, a sua chegada ao Palácio do Planalto. Uma caminhada realizada com peças pontuais, oriundas de uma visão muito mais vaidosa do que ideologicamente reflexiva para o agora e o depois. E é partindo de tal ponto que devemos perguntar: quais peças exatas foram utilizadas? Hoje, em maio de dois mil e vinte e um, notoriamente, sabemos que foram utilizadas peças de beligerância como legitimadoras “popularescas” de discursos antagônicos aos partidos de esquerda, sendo o alvo maior o PT; as peças de mentiras; as peças de notícias falsas e robôs que lançavam, repetidamente, comentários enganosos nas redes sociais afora; as peças do descaso social em prol da economia e segurança pública; as peças de formas únicas e exclusivas, conectadas ao segmento religioso evangélico.

 

A vaidade contra a ideologia reflexiva é fadada ao fracasso no primeiro passo, atuante como ferramenta nas desconstruções de todo e qualquer planejamento, como uma verdadeira máquina de destruição quando se chega no estágio cego. Mais ainda, quando a ideologia passa como simples pretexto para o alimento da vaidade. E é importante salientar que a vaidade, mencionada aqui, possui como substâncias, o benefício próprio e o sustento da própria imagem. Sigamos para um exemplo vivo.

O presidente da república e parte de seu séquito, desde o início do mandato, praticam mentiras, ações inconstitucionais e ataques aos órgãos supremos - quando impedidos da prática de planos construídos durante a campanha ou quando ameaçados politicamente - sempre com os costumeiros “não era nada disso” ou “eu não quis dizer aquilo”. Percebemos então, a nítida força que a vaidade exerce sobre o caráter do indivíduo em questão. Se pensássemos sobre a ideologia reflexiva, a postura do grupo deveria estar integralmente de acordo com os seus discursos e sua beligerância, principalmente pela razão de todo planejamento governamental se desenvolver pelos pontos muito bem calculados, amarrados em hipóteses alternativas e definidos para seu processo de execução. No entanto, ao primeiro grito de “fora Bolsonaro”, o que de fato vimos, foi a hesitação dos atos do líder do grupo em virtude da manutenção de sua aparência. Logo, enquanto alguns membros seguiram o processo de mudança (dissimulação) do presidente, outros tornaram-se, ainda mais, severíssimos extremistas. E assim sendo, de acordo com a ordem natural das coisas, quando se segue para um lado, concomitante, não há como percorrer outro. E nada mais fica tão transparente quanto os inúmeros desencontros de explicações, tanto para o fiel eleitorado quanto para a população opositora e os membros do grupo de caráteres mais radicais.

Nesse ponto, as peças encaixadas que formaram o alcance ao Palácio do Planalto, rui desenfreadamente, deixando cada pedaço de cada peça em formatos irreconhecíveis. Impossíveis de serem remontadas. Em síntese: fala-se uma coisa e faz-se outra; fala-se uma coisa e nega o que falara; faz-se uma coisa e nega o que fizera; recorre-se aos mesmos métodos corruptos para manter o poder. A busca para suprir a vaidade torna-se mais intensa e a ideologia desmorona.

 

O que nos apresenta agora é a evidente falta de empatia com a população em geral, a falta de competência para governar um país - mormente em crises - e o descaso total com o senso político em todos os aspectos. Além, da pressão, dos aliados comprados, por uma melhor performance política.

  Sabendo que a população brasileira é muito mais emípirica do que racionalista, posturas desse porte são imperdoáveis, e a insistência no descaso gera um estigma que perdurará por longos anos a perder de vista.

 

São as partículas de Demócrito se desconectando, destruídas, para nesse caso, não se conectarem nunca mais.